No Brasil, virou lugar-comum dizer que “o sistema é foda”, que “o sistema não deixa”, que “o sistema engole todo mundo”. A expressão virou explicação pronta para frustrações políticas e até justificativa para contradições. Mas quase ninguém se dá ao trabalho de responder à pergunta pontual — afinal, que sistema é esse?
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Quando se fala em sistema, muita gente imagina uma situação unilateral, que manda em tudo e impede qualquer mudança real. Só que a política brasileira não funciona assim. Não existe apenas um sistema. O que existe é um emaranhado de sistemas, subsistemas e interesses que se sobrepõem e buscam manutenção mutuamente.
Naturalmente existe o sistema maior — o federativo — com suas regras constitucionais, divisão de poderes, Congresso forte, estados autônomos e municípios dependentes. É ele que define, por exemplo, que um presidente eleito pelo voto popular não governa sozinho. Precisa negociar, ceder, compor alianças — muitas vezes com adversários históricos — para aprovar qualquer coisa relevante.
Nesse jogo, o orçamento vira moeda política, e campanhas eleitorais passam a custar bilhões. Isso não é desvio do sistema, é o sistema funcionando como foi desenhado. Mas, além dele, existem os sistemas paralelos. O sistema partidário, marcado por legendas frágeis e negociações oportunistas.
O sistema eleitoral, que estimula personalismos e dinastias políticas. O sistema econômico, que financia campanhas e cobra retorno em influência. E o sistema cultural, talvez o mais poderoso de todos, que naturaliza privilégios, relativiza incoerências e transforma contradições em discurso aceitável.
Por isso, é curioso observar como quase todos criticam o sistema, mas quase todos querem estar nele. O discurso antissistema raramente se traduz em prática antissistêmica. Um exemplo claro é a própria família Bolsonaro.
Jair Bolsonaro foi presidente da República. Seus filhos ocupam ou ocuparam cargos eletivos. Agora, um deles, eleito pelo Rio de Janeiro, articula candidatura ao Senado por Santa Catarina. Isso é romper com o sistema ou disputar espaço dentro dele?
A verdade é que o sistema não é apenas algo externo, imposto por forças obscuras. Ele é mantido e reproduzido por pessoas e grupos que aprenderam a jogar conforme as regras — ou a moldá-las em benefício próprio.
Criticar o sistema enquanto se busca um lugar confortável dentro dele é, no mínimo, uma contradição que precisa ser debatida com mais honestidade.
Nesse cenário, a possibilidade de mudança real se torna limitada. Não porque seja impossível mudar, mas porque qualquer transformação profunda exige enfrentamento estrutural, reforma política, revisão do modelo eleitoral, redução do custo das campanhas, fortalecimento institucional e, sobretudo, maturidade democrática. Nada disso acontece sem conflito, sem perda de privilégios e sem resistência.
E aqui entra a parcela de responsabilidade da população. Não dá para terceirizar toda a culpa. O sistema também se alimenta de votos mal informados, de paixões momentâneas, de narrativas simplificadoras e da crença de que um salvador da pátria resolverá tudo sozinho. Enquanto o eleitor não entender como o país realmente funciona, continuará frustrado com promessas que nunca poderiam ser cumpridas.
Blog do Bordignon
Em 2004, colou grau em jornalismo pela Universidade do Sul de Santa Catarina. É editor da edição impressa da Revista Única e, dos portais, www.lerunica.com.br e www.portal49.com.br.
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